08 dezembro 2011

A forja

O ruído da oficina cresce. A vila está sob uma furiosa tempestade de neve e os homens desocupados vêm meter-se na forja. Está calor, dentro das paredes de madeira. Mário deita mais uma pá de carvão e aviva o fogo com a escopeta.
- Sei fazer isto - diz, tossindo. É um velho marinheiro que estoirou os pulmões a provar que era capaz de ficar tempo imenso debaixo da água, nos poços. Vem de casa, na curva do Moutinho, até à oficina. Entra na forja e toma conta do fole. Tem setenta anos e só espera um caldo e mais qualquer coisa, à hora do almoço. Substitui Francisco, que aproveita para ir estudar. O martelo de forjar continua a dança, no fino som do cavalete. O malho entra, Eduardo sabe como há-de acompanhar o mestre. Este canta. Está ali para dirigir o trabalho e tudo corre bem. Portanto canta, durante a manhã de neve violenta. Os homens acumulam-se à porta, são agora quatro, e olham gulosos para o lugar que o velho Marinheiro ocupa. Este não dá descanso ao pau do fole, que sobe e desce com rapidez estonteante. O ferro aquece,
quando sai do fogo da forja parece ir desfazer-se.
- Mais devagar - diz o mestre -, senão, não acompanhamos o ritmo.
Marinheiro deixa descer o fole, uma massa de couro e madeira, tudo preto do pó do carvão, atrás da parede da forja e do fogo.
Mestre usa a talhadeira e os ponteiros, faz os cortes e os buracos devidos. Eduardo aprende e olha para longe, para o céu escuro e brutal, sem ver a tempestade que se abate. É apenas o desenho do sonho, o romance que se escreve lá longe, algures, num mundo de mais sofrimento e dor.
Mas os homens, cá fora, não entendem o seu olhar. Nem o adivinham. Sabem apenas que o mau tempo torna mais difícil ganharem a jeira. O dia está perdido, a somar-se a outros. Nem se atrevem a regressar a casa, ao fundo da vila, à Portela grande,
de ruas estreitas e calor nas vozes das mulheres que gritam, já não às crianças, mas ao seu desespero duradouro. É isso que Eduardo entende, finalmente, cá de longe, quando escreve cartas ao filho e volta a memorizar o passado, esse doce regresso de uma noite à porta de casa, quando as mulheres inventavam histórias para as crianças, até elas adormecerem e deixarem de ter medo do escuro.

Extrato do Livro Mulher desaparecida a Sul, da autoria de Modesto Navarro. Este romance foi publicado em 2008, pela Edições Cosmos.
A fotografia da forja é em Pinhal do Norte, concelho de Carrazeda de Ansiães.
A da Travessa da Portela é na Portela, em Vila Flor.

Sem comentários: