14 setembro 2010

No Jardim da Saudade

Já rolam os ventos brandos do Outono pela Natureza sonolenta além. Descem aos vales, perseguindo os ribeirinhos, brincando com os salpicos irisados de pequenas cachoeiras, penetrando as frinchas das azenhas, que recomeçaram o trabalho de moer pão e de bucolizar os quadros campestres no chiar mansinho dos rodízios; e abanam as copas desfalcadas dos choupos das margens desprendendo-lhes as folhas, agora uma, logo outra, mais outra, e mais... e mais. .. que vão caindo, esmaecidas, mortas, nas ondulações da corrente, como lágrimas num rosto, a deslizar suavemente; ou poisando em espasmos nos tapetes relvados, esboços dos novos prados para os cordeirinhos pastarem plas tardinhas.
Correm as encostas como um sopro fugidio, arejando a terra revolvida pelas charruas do lavrador, que a prepararam para a sementeira do centeio, seguidas por bandos de contentes alvéloas, que empinam o rabo ao vento, enquanto debicam os vermezitos que a relha traz à tona.
Embalam os sinos das igrejinhas modestas, dispersas pelos povoados das quebradas, tornando-lhes as badaladas plangentes, escoadas nos crepúsculos pelas veigas fora, até aos ouvidos dos trabalhadores da terra, que se descobrem, se inclinam e se edificam na oração das Ave-Marias.
E sobem às cumiadas dos montes para mover os moinhos que os esperam de traquete ou de velache, assobiando lugubremente nas bilhas das varas e travado iras, produzindo a farinha, despenteando, por pirraça, as pombas irrequietas que aproveitam os grãos desperdiçados na soleira da porta, umas brancas de neve, outras prateadas, outras trigueiras, de pescoço azul, um azul impressionante, nacarado...
O sol, nos dias em que se mostra, envolve tudo num manto diáfano de luz morna, parece que adormentando os seres, bafejando os ramos nus, impondo silêncio, uma espécie de luto oficial pela morte aparente dos verdes!
No Outono, nem toda a Natureza dorme.
(...)

Continua em: No Jardim da Saudade (02)

Excerto do livro Paisagens do Norte, escrito pelo Dr. Cabral Adão e publicado em 1954. Este livro teve uma segunda edição pela Câmara Municipal de Vila Flor em 1998 (Minerva Trasmontana, Vila Real). Pode ser encontrado no Museu Berta Cabral, na sala dedicada a Vila Flor.

Fotografia: Castanheiro, em Benlhevai



Outros textos e poemas da autoria do Dr. Cabral Adão já publicados no Blogue.

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